A frase em destaque abaixo é a referência que guia as ações de Domingos J. C. Spinelli, profissional que atua há quase 50 anos no setor químico industrial e que começou a trabalhar aos 14 como office-boy em um escritório de engenharia. “Conheci o centro de São Paulo como a palma de minha mão e até hoje sei o nome das ruas e como chegar até elas”, conta.
Logo em seguida, passou a atuar na empresa de seus familiares, tios, que produziam fios de cobre. Spinelli conta que foi a partir dali que surgiu o seu interesse pela área eletroquímica, por conta de uma operação bem específica que o levou a realizar experiências com substâncias diferentes na busca por aditivos inovadores. “A empresa produzia fios de cobre esmaltados para enrolamento de motores elétricos – entre outras aplicações. Havia um setor de decapagem dos vergalhões de cobre que vinham da laminadora com uma camada muito grossa de óxido cúprico. Essa decapagem era feita em acido sulfúrico diluído e assim havia uma formação elevada de sulfato de cobre em solução nesses tanques. Então começamos a bombear essa solução para tanques de eletrólise contínua que usava anodos de chumbo, produzindo chapas de cobre que posteriormente eram enviadas para os recuperadores. Lia muito sobre o assunto e aprendi que alguns aditivos eliminavam as deposições grosseiras – as chapas de cobre pareciam que tinham verrugas em toda a extensão no decorrer da eletrólise – eram os refinadores de camada... Então eu punha em prática o meu aprendizado fazendo experiências nesses tanques de eletrodeposição; era dextrose, dextrina, extratos de plantas... Enfim, um sem número de ‘aditivos’ que eu experimentava a cada dia”, contou.
Nos anos de 1970, a empresa expandiu os negócios ao adquirir uma mineração e Spinelli foi transferido para o departamento de análise prévia do minério, como prático químico. “Lá também havia toda uma operação de queima ou ‘ustulação’ do minério, que é a queima em presença de uma grande quantidade de oxigênio para que assim se formassem mais óxidos e fossem mais facilmente solúveis no meio ácido, antes do refino e do envio para o processamento eletrolítico. Eu analisava, fazia reports e sempre que dava fazia ‘alguns’ experimentos no laboratório, que era ultraequipado”.
O empresário acaba indo para outra empresa, para atuar como inspetor de qualidade, mas o que ele queria era mesmo inovar, atuar “na seção de banhos de decapagem de peças de alumínio, o desengraxe, a zincagem e a cromatização”. Algo o tornou obstinado por trabalhar com Tratamento de Superfície, era a seguinte frase: ‘Resultado da Pesquisa Criativa’. Ele mesmo conta essa história: “Fiquei encantado ao me deparar com uma inscrição que havia em uma das etiquetas da embalagem de um dos produtos químicos usados no tratamento de superfície (uma bombona de vidro de 40 litros num engradado de madeira protegida com palha) que dizia: ‘Resultado da Pesquisa Criativa’Pensei: quero trabalhar aí!”.
Sem dúvidas, começou a pedir uma oportunidade de entrevista a um químico que conhecia, Claudio Pierri, que trabalhava na Tennant-Rohco. Não sossegou até conseguir. “Eu o perturbava demais”, diz. Ele não só conseguiu a entrevista como foi aprovado, iniciando seu trabalho na companhia. Ainda naquela época, outro fator foi decisivo em sua trajetória, conhecer o químico Harry Hull. “Nessa época, por volta de 1976, o Harry Hull veio para o Brasil com a missão de fechar a empresa. O que não só não fez como está aqui até hoje. Ele me ensinou a soltar a língua e a falar o inglês. Surgiu a Rohco Brasileira”.
A importância de Hull na vida dele extrapola o Brasil. O químico americano foi responsável pela experiência internacional de Spinelli, que havia assumido a fábrica da Vila Maria (bairro da capital paulista) enquanto cursava Tecnologia Petroquímica, no Mackenzie. “Um ano e pouco depois o Harry me perguntou se eu queria ir para os Estados Unidos trabalhar na Rohco, em Cleveland – ‘Brincou?!’ Fiquei dias sem dormir até me convencer de que aquilo era verdade. Então, tranquei matricula e fui...”.
No começo dos anos de 1981, ele volta ao Brasil, era o “início do ProÁlcool, época de muitos desafios – entre eles o desenvolvimento de um processo de níquel químico para aplicação em carburadores de Zamac que retardava a corrosão pelos subprodutos do álcool combustível – pois é, ainda não existia injeção eletrônica. Vendemos muito desse processo e por um bom tempo”, revela.
A liderança independente
O processo para se tornar um empresário de sucesso – uma multinacional comprou sua empresa em dois anos de funcionamento – veio com uma crise que se abateu sobre a Rohco, que já havia adquirido a Harshaw, período em que Spinelli concluiu seu curso. Foi quando como uma medida de salvaguarda, a Rohco juntou-se à Roshaw, fundada por técnicos e vendedores que saíram da Rohco e da Harshaw. “Até que, em meados de 1997, eu saí e fundei a Formulart em Diadema [SP], que durou até 1999, quando a negociei com a SurTec da Alemanha, surgindo então a Formulart-SurTec – que seria a porta de entrada para a SurTec do Brasil, onde fui sócio juntamente com o Luiz (Gervásio). Dali até 2010, a SurTec do Brasil veio num crescente e disparou, tornando-se a segunda empresa de nosso segmento no mercado. Além dos mais variados produtos que produzíamos e comercializávamos, éramos também uma importante base de produção e exportação de passivadores trivalentes de camada espessa para os mercados atuantes da SurTec na Alemanha, China e Estados Unidos”, explica.
Uma década se passa até que surge um dos grandes desafios para o executivo. “Foi um momento extremamente difícil – para dizer o mínimo! Eu diria que essa decisão foi a mais difícil que tomei em toda a minha vida... Mas não restava outra alternativa”, antecipa. Era a venda de sua participação, de maneira definitiva, à SurTec alemã, que havia acabado de ser adquirida pela Freudenberg. Mas a sua própria história na empresa ainda não havia se encerrado. Permaneceu como Diretor Geral contratado pela nova organização até abril de 2015. Por conta de restruturação e da introdução de serviços compartilhados, passou a exercer o cargo de Diretor de Tecnologia até se desligar definitivamente em fevereiro de 2016. Depois, ao se desligar, é convidado pela Coventya para ser superintendente da unidade paulista da empresa, onde atuou até o fim de 2018.
Na trajetória de ousadia, criatividade e inovação de Spinelli não poderia faltar a realização de sonhos, mas também outros grandes desafios, como ele mesmo deixa claro: “O que ficou inesquecível para mim foi o Centro Tecnológico [na SurTec] que montamos em São Bernardo do Campo [SP], inaugurado em junho de 2005. Era um sonho meu de longa data e que serviu de base para pesquisa e desenvolvimento em eletrodeposição para todo o grupo. Infelizmente, esse centro foi desativado e parte do pessoal transferido na mudança da SurTec para Valinhos, ao final de 2015. Já a aceitação de alguns padrões corporativos continuam sendo o meu maior desafio, pessoas engessadas e tratadas mais como um número do que como alguém que pode contribuir, de fato, agregando – acho que jamais irei entender isso”, lamenta.
Fator RH
As pessoas são muito importantes para o executivo, a começar pela sua frase guia:
“Não construa um negócio, construa e agregue pessoas e elas, então, construirão o negócio com você”, cuja essência está no compartilhamento e na cooperação. “
Até hoje recebo ligações de profissionais que dizem que fui muito importante na vida profissional deles e que eu, de fato, os incentivei e dei oportunidade para que crescessem profissionalmente. Isso me toca profundamente...”, conta. E vai além da parte profissional, mostrando seu apreço por quem o inspira no dia a dia. “Sou casado com a Margarete, minha companheira desde sempre – é ela quem cuida de nossos interesses e que me mantém sempre ativo. Tenho dois tesouros, que são meus filhos, o Adriano, de 36, jornalista e escritor, que mora em São Francisco [EUA], e a Stephanie, de 23, que acabou de se formar em Direito, ralando agora para segunda fase da OAB. Tem também a Ginger, a pug, de 6 anos, que só falta falar”. Para desestressar, Spinelli é enfático: “Nas horas vagas adoro cozinhar”. O executivo também é incisivo ao dizer quem o inspira profissionalmente, pela resiliência, obstinação e inteligência: “Sempre tive muita admiração por Steve Jobs – fundou uma empresa, foi demitido dela por forças contrárias ao seu pensamento, deu a volta por cima, retornou para a mesma empresa e fez dela o que ela é hoje”. Para quem não sabe, a Apple foi a primeira empresa do mundo a atingir um trilhão de dólares em valor de mercado, em 2018, segundo a Forbes.
Atualidade e futuro da indústria
Sendo as tecnologias limpas a última grande revolução do setor segundo Spineli, que lembra a importante contribuição da SurTec nesse sentido com a “criação dos desengraxantes e decapantes alcalinos, neutros e recicláveis, os passivadores trivalentes de alto desempenho, passando pelos produtos isentos de solventes clorados e de cianetos, os banhos de zinco-ligas, chegando até as nanotecnologias agregadas aos Top Coats, por exemplo”, não há opção para a perenidade da indústria: “Vivenciamos momentos desafiadores e que demandam mentes abertas, dispostas a escutar e inovar, é como sempre digo: inovação é a chave da sobrevivência e esta infelizmente não é opcional”.
Para o futuro, Spineli diz o que pensa e espera do setor: “Particularmente penso que a substituição total do cromo nas tecnologias protetivas fará uma grande diferença em nossa indústria nos próximos anos. A convergência de tecnologias como PVD (deposição física em fase de vapor) e CVD (deposição química em fase de vapor) com a galvanoplastia/eletrodeposição, tende a tomar o espaço nos mercados decorativos e eletrônicos”.
Ele também é claro sobre o que espera do futuro para a continuidade de sua trajetória: “Do que me resta para viver, quero continuar ensinando e compartilhando tudo o que aprendi – essa é, afinal, a essência da vida”, conclui.
[gallery size="full" ids="3158,3159,3160"]Por Ana Carolina Coutinho
Entrevista publicada na edição 214 da revista Tratamento de Superfície (página 8) Clique Aqui e acesse a edição completa