Nesta complementação da matéria anterior, na qual falamos do recobrimento a vácuo para camadas decorativas, vamos nos aprofundar no processo para as camadas técnicas, que revestem, por exemplo, refletores de faróis e lanternas automotivas, e revestimento antirreflexo em lentes
Como vimos, na edição 229 da revista Tratamento de Superfície, o recobrimento de peças em vácuo é um processo realizado dentro de uma câmara hermética com a pressão muito reduzida em relação à pressão atmosférica. Ocorre com a evaporação (Sólido: Líquido: Vapor) ou sublimação (Sólido: Vapor) de uma substância e a posterior condensação sobre as superfícies dos substratos. É também chamada de deposição de filmes finos, pois a espessura da camada depositada, normalmente, não é maior que 0,1 µm.
Existem basicamente três finalidades para utilização desta técnica:
• Camadas decorativas (ex.: acessórios de móveis, calçados, vestuário e brinquedos, componentes sanitários) – cujos detalhes abordamos na Parte I;
• Camadas técnicas (ex.: refletores de faróis e lanternas automotivas e revestimento antirreflexo em lentes);
• Camadas funcionais (ex.: moldes de injeção, ferramentas de corte, preparação de amostras para microscopia e produção de semicondutores).
Neste artigo vamos falar sobre as camadas técnicas. Inclusive, importante pontuar uma técnica de deposição que não abordamos, a de evaporação/sublimação térmica por bombardeamento de feixe de elétrons.
Nessa técnica, o material a ser evaporado/sublimado é colocado dentro de um pequeno recipiente refrigerado, normalmente de cobre, e atingido por elétrons. A vantagem sobre a evaporação com filamentos de tungstênio (explicada edição anterior, juntamente com a pulverização catódica), é que se pode atingir temperaturas muito maiores e evaporar até mesmo materiais refratários, como sílica (SiO2) ou alumina (Al2O3). Também permite a deposição sequencial de vários materiais, multicamadas, num mesmo ciclo.
Esquema do funcionamento de um evaporador/sublimador por feixe de elétrons.
Visão de um material sendo bombardeado por elétrons, foto tirada pelo visor da porta.
Exemplo de evaporador/sublimador por feixe de elétrons com diversos materiais a serem depositados em sequência.
Agora, vamos aos exemplos de produtos revestidos com camadas técnicas.
1) Refletores de faróis, lanternas e piscas para veículos automotores
No ano de 2021, foram produzidos cerca de 3,5 milhões de veículos no Brasil, isto implica na produção de pelo 14 milhões de refletores, cerca de 60.000 por dia, sem contar a iluminação interna, luz de freio e o mercado de reposição. Nesta aplicação, o material depositado é sempre o alumínio, pela alta capacidade de refletir a luz (~90%).
A preparação dos substratos para receber a camada é feita com a aplicação e cura de um verniz. Alguns refletores, usados em carros de alto padrão, ainda utilizam moldes espelhados, porém, mesmo esse tipo, pelo alto custo, está sendo rapidamente substituídos pela iluminação de LED.
O método predominante é por meio de evaporação térmica com filamentos de tungstênio, sendo em poucos casos usado o ‘sputtering’ (pulverização catódica – ver edição 229).
Pelo fato de os refletores serem protegidos por uma lente, não se faz necessário a aplicação de um verniz por cima da camada depositada; porém, após a deposição da camada metálica, é feita a deposição, auxiliada por plasma de um polímero transparente, para dar uma proteção contra corrosão.
2) Espelhos retrovisores para veículos automotores
Pelo número de veículos produzidos, são mais de 10 milhões de espelhos por ano.
Por ter o vidro como substrato, não é necessária nenhuma preparação prévia para a deposição, somente uma lavagem rigorosa.
As superfícies dos vidros comuns refletem cerca de 4% da luz incidente. Por esse motivo, os espelhos externos têm o revestimento na frente do vidro, não atrás, evitando dupla reflexão. Com a camada metálica atrás do vidro, os faróis de um outro veículo produzirão duas imagens: uma forte, refletida pelo metal, e outra fraca, refletida pelo próprio vidro.
Pela resistência, os metais usados são o cromo ou aço inox. Um outro benefício desses metais é serem naturalmente antiofuscantes, por refletirem menos luz, cromo (~70%), aço inox (~50%), se comparados com o alumínio (~90%).
Nesta aplicação, a deposição é sempre feita por meio do ‘sputtering’ (pulverização catódica – ver edição 229).
No caso dos espelhos internos, a camada é de alumínio depositada atrás do vidro, que é trapezoidal. Isso traz a vantagem de, na posição normal, ter o máximo de reflexão pelo metal, mas, ao mudarmos o ângulo por meio da alavanca, passamos a ver a reflexão do vidro, com efeito antiofuscamento.
O método predominante é por meio de evaporação térmica com filamentos de tungstênio, sendo em alguns casos usado o ‘sputtering’.
3) Revestimento antirreflexo em lentes – também pode ser considerada camada funcional
Como mencionado no caso dos espelhos retrovisores, as superfícies de vidro e as resinas plásticas transparentes refletem parte da luz incidente. Isso ocorre pela mudança abrupta do índice de refração entre o ar e o material transparente; quanto maior for esta diferença mais luz será refletida. No caso de lentes, o problema é duplo, pois reflete ao entrar no material e novamente ao sair, podendo perder mais de 8% da luz incidente.
Lapiseira parcialmente imersa em água; ela parece torta devido à diferença do índice de refração do ar para a água.
Na prática, o índice de refração do ar é 1; o do vidro vai de 1,5 até 1,9; e o do acrílico 1,5.
Uma maneira de diminuir a reflexão é ‘suavizar’ a mudança do índice de refração. Isso pode ser feito por meio de deposição de multicamadas de materiais transparentes.
Só para visualizar, a primeira camada que a luz encontra tem um índice de refração 1,05; atrás dela 1,10; depois, 1,15 até chegar no do substrato, evitando a mudança abrupta, diminuindo a reflexão. Essa forma é apenas teórica, uma vez que não existem materiais com tantos índices de refração necessários. A forma usada para calcular a sequência das camadas é muito complexa e leva em conta outros fatores, como a espessura da camada depositada, além do índice de refração.
Em uma lente oftálmica são colocadas, tanto na frente como atrás, mais de 10 camadas. A transmissão da luz sobe de cerca de 90% para mais de 99%.
Nesta aplicação é necessário atingir pressões de 0,00002 mBar.
Sempre depositado por meio de evaporação/sublimação térmica por feixe de elétrons com múltiplos materiais.
A lente oftálmica de cima é não revestida e a debaixo, revestida.
4) Espelhos dicroicos – também pode ser considerada camada funcional
A iluminação utilizada em centros cirúrgicos, e em odontologia, precisa ser intensa e focada. Isso gera um problema por acarretar um excesso de radiação infravermelha (calor), causando problemas ou até inviabilizando seu uso.
Novamente usando variação dos índices de refração, é possível projetar e fabricar espelhos, com multicamadas que refletem a luz visível, mas não o infravermelho. São chamados de espelhos frios. Esse tipo de espelho foi muito utilizado em iluminação decorativa até alguns anos atrás, porém estão sendo substituídos por iluminação LED.
Sempre depositada por meio de evaporação/sublimação térmica por feixe de elétrons com múltiplos materiais.
Refletores dicroicos usados em iluminação decorativa, garantindo excelente iluminação sem aquecer a região iluminada
Walter Fernandes Correa Filho
Formação em Física pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Trabalhando desde o início dos anos 1980 com sistemas de vácuo, especialmente deposição de filmes finos. Experiência de trabalho nos maiores fabricantes mundiais de componentes e sistemas de vácuo, com vários treinamentos e estágios na Alemanha, EUA, França e Itália. Projeto, fabricação e instalação de centenas de equipamentos com tecnologia de vácuo, sendo mais de 200 para deposição de filmes finos. Consultoria para otimização de processos, treinamento e manutenção para grandes empresas usuárias de equipamentos com tecnologia de vácuo, como Lorenzetti, Hydra-Corona, GE, Balteau, WEG, Cargill, Teneco, INB, Nuclep, Angra II, Petrobras e muitas outras.
*Este artigo teve a colaboração de Ermelindo Ambrosio Jr, especialista em camadas depositadas.