Maílson da Nóbrega é ex-Ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria
A armadilha da renda média e como os desafios estruturais do país ameaçam nosso desenvolvimento. A realidade por trás do baixo crescimento brasileiro. Há solução?
A economia brasileira se tornou prisioneira da armadilha da renda média. Trata-se da situação enfrentada por países que implementaram estratégias de desenvolvimento voltadas para:
- Migrar da condição de nação pobre para a de renda média, e
- Para integrar o grupo dos desenvolvidos.
No Brasil, o primeiro objetivo foi alcançado nos anos de 1970, com os ganhos de produtividade decorrentes das políticas de substituição de importações, da adoção de tecnologias embutidas em bens de capital importados, e da migração campo-cidade.
Pouquíssimos países (algo em torno de vinte) conseguiram chegar à segunda fase. Foram os casos do Japão, na recuperação do pós-guerra; dos Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong); e de países do Leste europeu, que se livraram do jugo do comunismo soviético. Nenhuma nação da América Latina chegou lá. Na maioria delas – e de certo modo em nosso país – ainda prevalece uma cultura anticapitalista e protecionista que inibe o desenvolvimento e a ascensão ao grupo dos países ricos.
Cenário brasileiro
O Brasil enfrenta, além disso, dois desafios para vencer a mediocridade que o tem impedido de crescer mais do que 2% ou 3% nos últimos tempos. O primeiro deles é a baixa produtividade, que constitui o principal fator de enriquecimento de um país. Apenas a agropecuária tem exibido elevada produtividade nos últimos quarenta anos.
A indústria patina em torno da estabilidade, enquanto os serviços, que representam cerca de 70% do PIB, são caracterizadamente um setor de baixa produtividade. Vários fatores contribuem para essa situação. Os mais destacados são: infraestrutura deficiente; sistema tributário caótico; baixa qualidade da educação; e insegurança jurídica.
Maílson da Nóbrega é ex-Ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.
Os desafios da economia brasileira
A armadilha da renda média e como os desafios estruturais do país ameaçam nosso desenvolvimento.
A realidade por trás do baixo crescimento brasileiro.
Há solução?
A reforma tributária do consumo, recentemente aprovada, será uma fonte muito relevante de ganhos de produtividade, embora demore oito anos para ser implementada. Mesmo assim, é para comemorar.
O segundo desafio é o da insustentabilidade fiscal, que deriva de uma rigidez orçamentária sem paralelo no planeta. São obrigatórios cerca de 96% dos gastos primários da União (que excluem os encargos financeiros da dívida pública). Restam, pois, apenas 4% para custear todas as atividades do Governo, incluindo subsídios à agricultura, à ciência, à cultura, o judiciário, o legislativo, e às forças armadas.
A Secretaria do Tesouro Nacional calculou que, em 2032, serão obrigatórios todos os gastos da União. O Ministério do Planejamento calcula que isso ocorrerá em 2027. Claro, o sistema pode desmoronar antes, caso emerja a percepção definitiva de sua insustentabilidade. Isso porque será impossível evitar o crescimento permanente da relação entre a dívida pública e o PIB, que é o principal fator de solvência do Governo. A confiança na economia entrará em colapso.
Preparação para o futuro
É preciso, pois, atacar o problema dos gastos obrigatórios, o que inclui reformas difíceis, como a de promover novas mudanças no regime previdenciário; a reforma administrativa; a revisão da política de vinculação de impostos a gastos com educação e cultura; e a desvinculação entre as aposentadorias e pensões e o salário-mínimo. Acontece que o PT e o presidente Lula se opõem a tais medidas e acreditam que a expansão da economia depende da elevação de gastos públicos e do consumo dos pobres, e não da produtividade. Assim, a crise em formação pode ocorrer neste ou no próximo governo. Dificilmente passa disso.
Felizmente, o país está mais bem preparado do que no passado para enfrentar essa crise. Temos um sistema financeiro sólido e sofisticado; um agronegócio e um setor mineral competitivos – fontes de saldos comerciais robustos –; situação confortável de reservas internacionais e do balanço de pagamentos; sete das dez melhores universidades da América Latina; e empresas de classe mundial.
Tal qual em outros momentos de nossa história, a crise pode despertar o senso de urgência na sociedade e no sistema político, criando o ambiente propício à realização das reformas necessárias.
Claro, tudo isso dependerá da capacidade de mobilização e de convencimento do líder que estiver no leme do país. Há razões, felizmente, para acreditar que poderemos aproveitar a oportunidade emergir da crise aptos a um novo e mais promissor ciclo de crescimento da economia, do emprego e da renda. Sejamos otimistas.