Gerhard Ett
Engenheiro Químico. Químico pelo Mackenzie. Doutor em materiais pela USP/IPEN. Pesquisador do Departamento de Engenharia Química da FEI.
Thais Helena Falcão Botelho
Autora do livro ‘Vamos Juntos Profe’ – Abordagem STEAM – Ed. Saraiva. Mestre e doutoranda em Tecnologias da Inteligência e do Design Digital pela PUC – SP. Licenciada pela Universidade de Letras de São Paulo – USP. Pedagoga pela Uninove.
Foto: Carolina Botelho Ett
Metodologia STEAM, vem do inglês
Science, Technology, Engineering, Arts e Mathematics
Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática
Temos que inovar! Ouvimos essa frase diariamente, em várias áreas de atuação. Mas inovar na forma de ensinar parece mais complexo, isso inclui, não só questões tecnológicas, mas uma reflexão mais profunda em relação a abordagens pedagógicas que estejam alinhadas com as tecnologias, anseios e necessidades da sociedade daquele momento. Temos vários exemplos de suportes tecnológicos que hoje podem até estar obsoletos, mas a maneira pela qual foram utilizados nos processos de ensino, muito contribuíram para a aprendizagem de todos nós. Um exemplo disso é o mimeógrafo e o projetor de slides, típicos artefatos de ensino dos anos 1980/1990 que, atualmente, seriam impraticáveis em uma sala de aula. Mas quantos não tiveram sua formação utilizando essas ferramentas? Métodos, abordagens pedagógicas se lançaram mão delas e muitos profissionais, inclusive respeitados atualmente, podem estar aqui para contar essa história...
Hoje, o PowerPoint está plenamente incorporado nas metodologias de ensino, mais ainda em tempos de pandemia, para que se possam ser compartilhados, via telas de computador pela internet, conhecimentos, dúvidas, reflexões, ideias fundamentais em qualquer processo de aprendizagem. É bem possível, apesar de todas as atualizações que esse software passe, que ele venha a se tornar mais uma ferramenta obsoleta em um futuro não muito distante. Isso, não só por questões tecnológicas, mas porque estamos passando por profundas mudanças pedagógicas, que, sem sombra de dúvidas, são também decorrentes do tsunami de tecnologias digitais que emergiram em massa, em grande parte do planeta, nos finais do século 20, e que estão vindo a culminar com a pandemia.
Uma das qualidades mais importantes no STEAM é o professor promover o desenvolvimento da autonomia
Breve histórico
É importante observar que ferramentas digitais para videoconferência existem há décadas. A primeira delas ocorreu em 1964, “na Feira Mundial ocorrida no Queens, cidade de New York, a AT&T”, fazendo uso de um dispositivo chamado Picturephone. A Webex foi fundada em 1996 e o Hangout existe há mais de sete anos. No entanto, diante do quadro epidêmico de 2020, os processos de ensino encontraram essas ferramentas para a veiculação dos processos educativos, apesar de originalmente terem sido criadas para negócios. E não é que funcionaram de forma massiva?!
Como já apontado, não podemos negar que as tecnologias influenciam a educação. Como estariam muitas universidades na pandemia se não existisse a internet ou mesmo plataformas como o Moodle? Mas como estariam os alunos e professores com todas estas tecnologias sem uma metodologia? Processos de aprendizagem que vêm sendo construídos durante anos, frutos de trocas de conhecimento e questionamentos em termos de eficiência didática, o ensino deve se apropriar amplamente das tecnologias digitais, mas elas devem ser as ferramentas para auxiliarem novas abordagens pedagógicas.
Entre as abordagens pedagógicas que começam a ter destaque no Brasil, uma que vem ganhando espaço de destaque é a chamada de STEAM, acrônimo em inglês para ciências, tecnologia, matemática, engenharia, arte e matemática. Inclusive, ela começará a ser adotada, oficialmente, neste ano de 2021, através de materiais didáticos adquiridos pelo Ministério da Educação (MEC).
Essa metodologia começou a entrar de maneira mais ampla nos Estados Unidos nos anos 2000, inicialmente com o nome de STEM. O acréscimo da letra A veio, segundo Peter Charles Taylor, diretor de Pesquisa em Educação Transformativa (TERC) em Murdoch, Austrália, devido ao entendimento de que “a integração de Arte com Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática não é apenas mais um modismo curricular, mas uma resposta importante à necessidade premente de preparar jovens com habilidades mais amplas para lidar de forma positiva e produtiva com a globalização do século 21, desafios (crises) que impactam a economia, o ambiente natural e a diversidade de nossa herança cultural” (TAYLOR, 2016, p. 89, tradução nossa). Além disso, trata-se de uma abordagem de aproximar os alunos para essas áreas do conhecimento, como matemática e artes, estimulando um trabalho colaborativo, baseado em projetos, para a solução de problemas.
Segundo Mark Sanders, Professor Emérito da Virginia Tech em Educação Integrativa STEM, “o esforço tecnológico, por exemplo, não pode ser separado do social e de contextos estéticos, nem o estudo da tecnologia deve ser desconectado dos Estudos Sociais, de Arte e de Humanidades” (SANDERS, 2009, p. 21, tradução nossa).
Essa tecnologia baseia-se em preparar o aluno para os desafios da quarta revolução industrial, para uma sociedade, chamada pelo governo japonês de Sociedade 5.0, propiciada pela inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT) e blockchain. Uma sociedade em que a constância é mudança e inovação, sendo assim, a arte, o design em STEAM, “deriva de se enxergar que a criatividade é a habilidade mais importante do século 21” (LIAO, 2016).
A abordagem STEAM, no ambiente de ensino, igualmente oportuniza e combina importantes frentes que fazem parte da composição do desenvolvimento de conhecimento: criatividade, gestão de projeto, pensamento crítico e científico, empatia, flexibilidade, trabalho em equipe, humanismo, cultura do ‘faça você mesmo’ e o progresso da capacidade de comunicação
Conhecimento múltiplo
Os alunos, também, precisarão fazer parte da solução de uma série de objetivos prementes que estão sendo impostos a nível mundial, tais como a necessidade de: aumento da capacidade energética, para dar conta do crescimento populacional, redução de gases efeito estufa, processos e produtos sustentáveis, entre outros.
Com a abordagem STEAM é possível se palmilhar por dois caminhos que, de certa forma, vinham se trilhando paralelamente, já que “a educação tecnológica concentrou-se no design tecnológico, enquanto a educação científica se concentrou na investigação” (SANDERS, 2008).
De acordo com Sanders, através dessa pedagogia, se consegue um “design e investigação proposital” combinando, “de forma proposital, a projetar tecnologias com investigação científica, envolvendo alunos ou equipes de estudantes em investigação científica situados no contexto de solução tecnológica de problemas - um ambiente robusto de aprendizado” (ibid).
Sabemos que, para se criar um produto, muitas áreas do conhecimento são envolvidas, consequentemente, são muitas habilidades. A abordagem STEAM, no ambiente de ensino, igualmente oportuniza e combina importantes frentes que fazem parte da composição do desenvolvimento de conhecimento: criatividade, gestão de projeto, pensamento crítico e científico, empatia, flexibilidade, trabalho em equipe, humanismo, cultura do ‘faça você mesmo’ e o progresso da capacidade de comunicação. Nesse tipo de abordagem, o aluno é incentivado, constantemente, a desenvolver projetos, envolvendo cinco etapas, que são familiares aos processos acadêmicos, bem como de solução ou criação de um produto: investigar, descobrir, conectar, criar e refletir.
Nos negócios
No mundo corporativo, no qual a indústria precisa se reinventar diariamente para sua sobrevivência, o conhecimento dessas etapas também se aplicam: para se investigar é necessário conhecimento, para se descobrir é necessário treinamento, para se conectar é necessário ter algum tipo de conhecimento do cliente, para se criar é necessário inovar. Enfim, para uma produção de sucesso é vital se ter conhecimento, treinamento, conhecer a necessidade do cliente e refletir no pós-venda, pois, aí, podem ser feitos os ajustes finos necessários ou a verificação de boas soluções, que inclusive podem vir a ser replicadas em outros serviços ou produtos.
Uma das qualidades mais importantes no processo STEAM é o professor promover, de forma efetiva, o desenvolvimento da autonomia em seus alunos nos seus processos investigativo, tecnológicos e de inovação. Diante de uma sociedade que se transforma de maneira cada vez rápida, o professor não tem como dar todas as repostas para todas as perguntas. Cada vez mais um docente se sentirá realizado se um aluno trouxer uma nova e eficiente solução para qualquer problema que esteja em pauta.
A promoção da autonomia ocorre de forma paralela, tanto no aluno como no professor, já que ambos estão inseridos em uma sociedade de rápidas mudanças, que exige adaptações constantes. Simultaneamente, as soluções podem ser compartilhadas em espaços físicos e digitais, aumentando, assim, a velocidade da aprendizagem. A autonomia aumenta a capacidade de se aprender, pois não ocorre especificamente quando um professor ou mestre esteja presente.
No processo de investigação podemos extrapolar nosso próprio conhecimento e passamos a ser verdadeiros pesquisadores, que vão se constituindo por caminhos genuínos, pois são nossas curiosidades, dúvidas, que nos levam em busca de respostas. Michael Faraday, inicialmente, era assistente de Humphry Davy, no Royal Institution na Inglaterra, mas, devido á sua curiosidade e atitude investigativa e experimentalista, acabou se tornando em um dos mais renomados cientistas até hoje.
Essas etapas da abordagem STEAM sempre estiveram presentes na educação, inclusive, estão relacionadas às aulas práticas, como as de laboratório de Química, por exemplo. Um outro momento fundamental de investigação e produção científica é justamente no momento da conclusão do curso da graduação, quando o estudante elabora o seu TCC. Momento não só de fixação de conhecimento, mas também de criação científica.
Rafael Urbano, Juliana Frias, João Vitor Garcia, Carol Barbeta, Ricardo Belchior, Guilherme Maia, Gerhard Ett e o veículo movido a energia química: premiado
A maior das habilidades é a convergência de todas elas
Há uma série de tecnologias atualmente que trazem em seu cerne o ‘mão na massa’, ferramentas ou sistemas que auxiliam na criação, como o Arduino, que não é tão oneroso, e a impressora 3D, ambos plataformas, ou dispositivos, que possibilitam a criação de novos produtos, incorporados até em antigos brinquedos infantis de criação, como LEGO e MECANNO.
Muitos softwares possibilitam, tecnicamente, uma aprendizagem rápida, sem fazermos cursos, e, ao mesmo tempo, aprendemos pela necessidade imediata de aplicarmos. Um exemplo dessa união de abordagem STEAM, utilizando ferramentas que possibilitam uma maior autonomia na criação de produtos de tecnologias de ponta, pode ser testemunhado no Departamento de Engenharia Química do Centro Universitário FEI, o qual tem participado de algumas competições. Para citar uma delas, foi a ocorrida no Campeonato Estudantil AIChE (American Institute of Chemical Engeneers) – maior instituição de engenheiros químicos do mundo. Para esse campeonato, os alunos desenvolveram um veículo movido a energia química, no caso, células a combustível a partir do hidrogênio, e um relógio químico para a sua parada, tudo controlado por reações químicas.
Essa competição estimulou os alunos a desenvolverem uma série de habilidades: hard skills, capacitações técnicas, e também as habilidades soft skill, tão bem-vindas nas empresas atualmente, já que são habilidades pessoais e intangíveis. A FEI, nesse campeonato, conquistou quatro títulos internacionais na Chem-E-Car Competition, da Annual Student Conference, da AICHE, que muito nos honraram. Os alunos, de forma colaborativa, investigaram, criaram, aprenderam e ensinaram, em um curto espaço de tempo, com garra, trabalhando em equipe e com notável entusiasmo.
Alinhado às megatendências, como é o caso da mobilidade elétrica, está sendo criando na FEI o Laboratório de Engenharia Eletroquímica, com foco em baterias, células a combustível, hidrogênio, eletrólise industrial, tratamento de superfícies e corrosão. Áreas de conhecimento, inclusive, muito bem identificadas pelo leitor da revista.
Nesse mesmo centro universitário, também foi criado um curso de pós-graduação de Engenharia Eletroquímica na área de atuação do Laboratório de Engenharia Eletroquímica aplicada, muito alinhando à indústria. Nesse curso são convidados profissionais do setor e são feitas parcerias com associações técnicas para descrever o mercado, bem como as tecnologias de ponta. Inclusive, em uma delas, em 2020, tivemos a honra de ter a participação da ABTS, com uma brilhante palestra da professora do curso de tratamento de superfícies da associação Wilma Ayako Taira dos Santos. Dessa maneira, o aluno tem a experiência de ver o seu conhecimento aplicado, ver onde e como está sendo empregada a tecnologia que está aprendendo e, ao mesmo tempo, tem a oportunidade de deixar o mercado conhecê-lo.
Através de abordagens que estimulam a convergência de várias áreas, talentos diversos, formações distintas, onde se criam espaço de reflexões e práticas compartilhadas, utilizando-se de tecnologias acessíveis, é possível uma integração muito mais plena entre universidades, empresas e avanços tecnológicos, tudo para uma sociedade mais produtiva e sustentável.
REFERÊNCIAS
• KEIDAREN - Society 5.0 co-creating the future. 2018. Japão. Disponível em: <https://www.keidanren.or.jp/en/policy/2018/095_booklet.pdf>. Acesso em Nov. 2019.
• LIAO, Christine. From Interdisciplinary to Transdisciplinary: An Arts-Integrated Approach to STEAM Education. Art Education, v. 69, n. 6, p. 44, 2016.
• 20/09/2019
• SANDERS, Mark E. Stem, stem education, stemmania. 2008.
• Disponível em<https://vtechworks.lib.vt.edu/handle/10919/51616>. Acesso em fev., 2020.
• TAYLOR, Peter Charles. Why is a STEAM curriculum perspective crucial to the 21st century?. 2016. Disponível em: <>https://research.acer.edu.au/cgi/>. Acesso em fev. 2020.
Fotos Ricardo Belchior