Após grande expansão freada por severa crise, que eliminou milhares de empregos, a indústria naval tenta se recuperar, é o que nos conta o presidente do SINAVAL, Dr. Ariovaldo Rocha
“O futuro do setor depende de uma mudança nas políticas oficiais hoje vigentes, havendo necessidade de elevação dos índices de Conteúdo Local e de retomada da preferência da construção de obras navais no Brasil”
Todos sabem que o mundo está em crise e, no Brasil, alguns setores têm sofrido mais que outros; é o caso da indústria naval. Contudo, por mais que possa parecer, a Covid-19 não é a única responsável pelo cenário aual. “A pandemia apenas agravou a situação dos estaleiros, que já era crítica em função da falta de encomendas. O principal indicador é o número de empregos, que caiu de 82 mil em dezembro de 2014 para 19 mil em maio de 2021. Hoje há diversos estaleiros em regime de Recuperação Judicial, lutando para retomarem suas atividades”, revela o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore – SINAVAL, Dr. Ariovaldo Rocha. Nesta entrevista, Rocha detalha outros pontos importantes e sensíveis sobre o setor, assim como vislumbra algumas alternativas para que a indústria naval brasileira possa voltar a progredir. Ele também fala sobre os Tratamentos de Superfície que vêm sendo utilizados no segmento e dá uma dica: “O SINAVAL divulga a seus Associados as informações tecnológicas recebidas. No presente, o SINAVAL não participa do meio acadêmico de pesquisas sobre o assunto. Temos notícia da participação no passado, até mesmo com a apresentação de trabalhos técnicos”, conta. Confira os detalhes a seguir.
Pode-nos contar sobre como estão divididos os segmentos da indústria naval hoje e qual é o setor com maior potencial e por quê?
a) Construção Naval Convencional (navios de cabotagem; petroleiros; gaseiros; navios de apoio marítimo às plataformas de petróleo e gás natural; rebocadores oceânicos; rebocadores portuários; navios fluviais, barcaças, chatas e balsas para navegação em hidrovias; diques; dragas; estruturas flutuantes diversas; construções assemelhadas);
b) Construção Offshore (plataformas marítimas para o mercado de petróleo e gás natural dos tipos autoelevatória, semissubmersível, FPSO – “Floating Production Storage and Offloading”; manifolds e estruturas diversas);
c) Construção Náutica (iates e barcos de recreio e lazer);
d) Construção Militar (fragatas, submarinos e outros produtos por encomenda da Marinha do Brasil).
e) Reparação Naval (docagens, reparos, jumborização, manutenção, modernização e serviços assemelhados).
Não há propriamente um setor com maior potencial que os outros. A construção de rebocadores portuários, navios fluviais, barcaças, chatas e balsas é um mercado praticamente perene. A construção de plataformas marítimas e de navios petroleiros, gaseiros e de apoio marítimo depende principalmente de encomendas da Petrobras, hoje inexistentes. Os armadores de cabotagem praticamente não encomendam nada no Brasil e preferem afretar os navios que operam, prevendo-se que a situação atual vai se agravar com a aprovação do Programa BR do Mar, que privilegia a importação e operação de navios estrangeiros. A Construção Náutica tem um mercado variável. A Construção Militar depende de projetos e recursos da Marinha e está em desenvolvimento, com boas possibilidades de crescimento. A Reparação Naval é um mercado permanente, agora mais ativo em função da baixa atividade de Construção Naval e Offshore. Devido à crise provocada pela falta de encomendas, alguns estaleiros estão também desempenhando atividades como Terminais de Uso Privado (TUPs). Há perspectivas de desmonte de embarcações e de descomissionamento de plataformas marítimas, atividades que ainda estão sendo estudadas quanto ao potencial de execução no Brasil.
Qual a importância do setor naval para o desenvolvimento econômico do Brasil? Qual a realidade da indústria naval, hoje, em termos econômicos?
A Indústria Naval é uma importante geradora de empregos qualificados e renda em vários Estados costeiros e na Amazônia. Quando em plena atividade, tem expressiva relevância na balança comercial brasileira, mas depende de encomendas e de uma política adequada de Conteúdo Local. É uma indústria considerada estratégica para muitos países, mas esse conceito não é reconhecido e praticado no País, a não ser pela Marinha do Brasil.
Como o setor se comportou durante a crise, pode falar sobre os principais indicadores?
A pandemia apenas agravou a situação dos estaleiros, que já era crítica em função da falta de encomendas. O principal indicador é o número de empregos, que caiu de 82 mil, em dezembro de 2014, para 19 mil, em maio de 2021. Hoje há diversos estaleiros em regime de Recuperação Judicial, lutando para retomarem suas atividades. Além disso, muitos estaleiros estão paralisados ou operando com baixo nível de atividade.
Conforme notícia em seu site, quais serão os segmentos responsáveis sobre a geração de empregos na indústria naval?
Isso hoje não está perfeitamente claro. Há estudos que apontam para as atividades de descomissionamento de plataformas marítimas e desmonte de embarcações como grandes geradoras de empregos, mas esses mercados ainda vão demorar alguns anos a se tornarem realidade. Por enquanto, a expectativa é a continuidade das construções que dependem de recursos do FMM – Fundo da Marinha Mercante (hoje ameaçado pelas decisões governamentais quanto aos fundos constitucionais e por Projetos de Lei em tramitação no Congresso) e o desempenho de atividades alternativas, como a operação de TUPs e a intensificação do reparo naval. A retomada das atividades dos grandes estaleiros, com a consequente geração de novos empregos e manutenção dos atuais, dependerá de mudanças na política de contratação de plataformas e navios de apoio marítimo pela Petrobras e nas políticas governamentais de incentivo à indústria brasileira, não só a Indústria Naval.
Além dos desafios econômicos e da crise gerada pela pandemia, qual o principal ponto de stress na indústria naval atualmente? Quais são as estratégias para reverter esse cenário?
O estresse já está instalado há alguns anos e vem sendo enfrentado diariamente pelos estaleiros. Sem encomendas, os estaleiros têm reduzido seus níveis de atividade e, em conseqüência, o número de postos de trabalho, o que gera tensão com os trabalhadores e custos para desmobilização de mão de obra. Com poucas obras, o faturamento caiu na maioria das empresas e o pagamento dos financiamentos contraídos pelos estaleiros para instalação ou modernização de suas plantas industriais fica cada vez mais difícil. Além disso, os custos de manutenção das instalações são elevados e não há muitas alternativas para redução desses custos. A execução de atividades fora dos objetivos originais dos estaleiros (como a operação como TUPs e a realização de reparos navais) é medida paliativa enquanto a atividade principal não é restabelecida. E não se pode desconsiderar o estresse gerado pela Recuperação Judicial junto a trabalhadores e fornecedores dos estaleiros que estão nessa condição. Cada empresa adota as estratégias que estão a seu alcance à espera de melhores tempos.
Como o SINAVAL enxerga o futuro da diminuição dos combustíveis fósseis? Como o menor consumo petrolífero afetará o setor? Quais as orientações do sindicato para que a indústria se prepare para esse cenário?
Esse futuro parece ainda distante. As estimativas dizem que o petróleo continuará sendo a principal fonte energética do mundo nos próximos 30 anos, pelo menos. Os projetos de substituição dessa fonte ainda estão longe de se consolidar e hoje as providências tomadas pelos vários países visam mais à busca e ao desenvolvimento de alternativas complementares, como a energia eólica e a energia solar. Tendo em conta que há vários desafios a serem vencidos hoje por nossa indústria, cremos que ainda é cedo para que nos preparemos para esse futuro sem petróleo. Não estamos orientando os estaleiros quanto a esse tema.
Sendo o ambiente salino um dos mais prejudiciais para a vida útil do aço, qual a importância dos tratamentos anticorrosivos na indústria naval? Qual a realidade dessa área hoje sob a ótica do SINAVAL?
No que se refere à proteção do aço do casco das embarcações e plataformas, a Indústria Naval utiliza os anodos de sacrifício ou o sistema de corrente impressa. O tratamento dos itens de bordo, quando se trata de aço soldado, é feito pela aplicação do plano de pintura estabelecido para as obras navais. As chapas de aço recebidas das usinas produtoras ou da rede revendedora são jateadas em cabines e protegidas com a pintura anticorrosiva recomendada nos planos de pintura aprovados para cada obra. Os equipamentos fornecidos pelos fabricantes são protegidos em atendimento às recomendações dos próprios fabricantes.
Quais os números relativos ao consumo de aço na indústria naval? E o de madeira? Existem alguns outros materiais, além do aço e da madeira, que estejam sendo estudados para aplicação nas construções navais? Quais são as tendências nessas áreas de estudo?
Não temos dados atualizados quanto ao consumo de aço na pandemia. Essas informações podem ser obtidas junto ao Instituto Aço Brasil, que coordena a atuação das usinas produtoras de aço naval, integrantes do Grupo Usiminas. Deveremos fazer em breve uma pesquisa ou estimativa do consumo de aço, porém não temos ainda a previsão de quando faremos essa pesquisa. Quanto aos materiais alternativos para Construção Naval, há vários estaleiros que dominam, há décadas, as técnicas de construção em fibra de vidro e alumínio. A tendência é a continuidade dessas construções, adequadas para embarcações de menor porte, mas não aplicáveis a navios de transporte de cargas de deslocamento oceânico ou nas hidrovias, nos quais a utilização de aço é obrigatória.
Sobre as alternativas para descarbonização da navegação, como está a realidade da conversão para embarcações elétricas? Qual a expectativa para elas se tronarem ‘populares’, seus principais desafios e qual o impacto na indústria naval e para a economia do setor a longo prazo?
Esse tema ainda não é tratado pelo SINAVAL junto aos estaleiros. É um assunto que afeta principalmente os armadores e proprietários das frotas. Particularmente, não cremos que essa conversão atingirá, pelo menos em curto prazo, os navios de grande porte ou com motores de grande potência, como são a maioria dos navios produzidos pela Indústria Naval brasileira. No momento, não temos elementos para avaliar o impacto que essa eventual conversão acarretará na economia futura de nosso segmento industrial a longo prazo.
Na contramão da desindustrialização no Brasil, a indústria naval veio se fortalecendo ao longo dos anos. Esse aspecto ainda é uma realidade? Qual o futuro do setor?
O fortalecimento da Indústria Naval tem ocorrido em alguns períodos favoráveis, em ciclos, como nos anos 60 e 70 e, mais recentemente, do final do século 20 até 2014. A partir de 2015, o Governo deixou de apoiar e incentivar essa indústria, que vive uma crise sem precedentes depois de ter atingido seu período de maior desenvolvimento, entre os anos 2003 e 2014. O futuro do setor depende de uma mudança nas políticas oficiais hoje vigentes, havendo necessidade de elevação dos índices de Conteúdo Local e de retomada da preferência da construção de obras navais no Brasil (sem, evidentemente, reserva de mercado, mas atentando para as condições desvantajosas de competividade da indústria brasileira como um todo em relação aos outros países em função do ‘custo Brasil’). O SINAVAL está atento e trabalha permanentemente para reverter essa difícil conjuntura enfrentada pelos estaleiros brasileiros.