
Por Ana Carolina Coutinho
“MESMO CNPJ DESDE 1964”
Quando tinha apenas 23 anos, Juan Luís Maqueda assumiu a missão de reerguer uma empresa quebrada. Com humildade para aprender e determinação para consolidar o negócio, transformou a Sapucaia em referência no setor. Entre crises, incêndios, mudanças de mercado e inovação no preço, manteve sua filosofia: “Qualidade tem preço”. Conheça a sua trajetória.
Juan Luís Maqueda tinha 23 anos quando foi trabalhar na Sapucaia, Tratamento de Superfície de Metais, capitaneada por seu pai, Juan Maqueda, desde 1964.
“Ela estava quebrada. Devia 6 faturamentos na praça… Eu gostava desse ramo e decidi: ‘Vou levantar’. O desafio era grande, mas Juan tinha como aliada a humildade. “Fui aos concorrentes para aprender a fazer, porque eu não sabia nada, pois fazia administração de empresas. Eu fui com humildade e pedi ajuda, e eles me ensinaram”, conta.
Este foi o início de Juan Luís Maqueda na empresa derivada da Cromeação Auremar, comprada pelo seu pai em 1964 e que, em breve, irá completar 61 anos.
“Sem maracutaia. É o mesmo CNPJ desde 1964. Absolutamente tudo pago. Não devemos um imposto, nada. Não sonegamos; é tudo com nota, e todos empregados registrados”, orgulha-se, Juan.
Mas não foi fácil à empresa chegar à terceira idade; além dos desafios naturais do mercado brasileiro, a própria empresa enfrentou muitas questões, que incluíram fraudes causadas por antigos funcionários e até mesmo um grande incêndio na fábrica, quando foram necessários 15 dias para reconstruir o telhado.
“Você acredita que demoraram 15 dias para fazer o telhado e que não choveu nenhum dia? No 16º, acabamos de cobrir e colocar a calha, choveu!!!”, relembra, ainda surpreso com a coincidência.
Naquela época, 2016, a fábrica ainda era no bairro do Belém, Zona Leste de São Paulo.
“A Sapucaia velha era uma coisa horrorosa. Tudo remendado. Onde tinha um cantinho, tinha um banho”, diverte-se.
Hoje, a Sapucaia tem uma planta fabril detalhadamente planejada, sediada em Guarulhos, SP.
“Meu filho que esquematizou tudo”, revela.
O filho do Sr. Juan, Juan Vitor Maqueda, é um dos sócios da empresa, que é compartilhada por seus pais, já que a mãe, Neusa, também participa ativamente dos negócios.
O Sr. Juan e ela se conheceram no colegial e fizeram faculdade juntos.
“Fui para a turma da noite, aí, vi a morena, e falei: ‘Vai ser aqui’. Casamos em 1979, nasceu o Vitor, em 1982, e agora eu tenho uma netinha, de 1 ano e 8 meses. Coisa Mais Linda do mundo!”, orgulha-se.
A entrada da D. Neusa como sócia, na Sapucaia, se deu, inclusive, por conta de uma nova quebra financeira na empresa, como revela o Sr. Juan:
“Em 1986, minha esposa era gerente do Banco Itaú e naquele ano, a transferiram para uma agência muito longe e ela disse: ‘Vou ser sua financeira, eu cuido do dinheiro e você cuida das vendas, qualidade, etc’. Em 1986, a firma estava redonda de novo, mas meu pai quis juntar toda a família, aí já viu, não precisa nem falar, né? Em 1998 estava quebrada de novo. Foi quando eu disse a ele: ‘Pai, eu continuo, mas a empresa fica sendo minha e da minha esposa e até o fim da vida eu vou te pagar 50% do que eu tirar. Se eu tirar 5, te dou dois e meio. Se eu tirar 20, te dou 10, se eu tirar 30, te dou 15; mas de palavra, sem contrato; se quiser bem, se não quiser, paciência.
Tinha a Peres Galvão Pastilha, que nos devia, era de dois irmãos que não se davam, e um deles falou: ‘Olha, te dou minha parte pela dívida. A dívida era um monstro! Aí eu falei para o pai: ‘Você quer?’. E aí ele passou a empresa para mim e pra minha esposa e foi tudo ótimo””.
Equipe Sapucaia no EBRATS 2024.
No centro, da esq à dir.: D. Neusa, Juan Vitor e Juan Luís Maqueda
O filho se juntou a eles em 2010.
“Ele ficou três anos na Espanha, estudando, aí ele voltou e veio trabalhar comigo. Hoje somos sócios em três partes, 33% eu, 33% a Neusa (minha mulher) e 33% do meu filho. Mas quem toca hoje é o meu filho. A Neusa é o financeiro até hoje. Eu estou na retaguarda, na parte de custo e na parte de fechamento de resultado do mês.”
Aqui, chegamos a um ponto crucial da entrevista: os custos e a precificação.
A EXPERTISE E O DIFERENCIAL DO SR. JUAN
“Quando comecei, vi que todo mundo calculava por quilo, mas ninguém considerava a espessura do material para saber a área”.
Desde o início de sua trajetória na Sapucaia, Juan Luís Maqueda percebeu que a forma como o mercado precificava os serviços não fazia sentido.
“Quando comecei, vi que todo mundo calculava por quilo, mas ninguém considerava a espessura do material para saber a área... Mas o que importa na produção é a área, não a massa!”, explica.
Para ele, aquela metodologia imprecisa levava a distorções nos preços e na competitividade.
A insistência em fazer diferente gerou resistência no mercado.
“As pessoas falavam: ‘Só a Sapucaia quer saber da espessura? Ninguém pede espessura’. Eu respondia: ‘Pois é, mas aqui a gente pede’. Se a peça tem 1 mm, é um preço; se tem 2 mm, é outro, porque a área coberta muda completamente. Mas ninguém entendia.”
“Uma chapa de 2 mm de espessura tem metade da área de uma chapa de 1 mm, mas o peso continua o mesmo. Como pode ser o mesmo preço por quilo?”, questiona.
Para demonstrar isso, ele organizou uma reunião na Fiesp, onde mostrou um exemplo prático: um bloco de ferro sólido e uma chapa fina. Ao cortar esse bloco em fatias de 1 mm, a área total exposta ao banho químico aumentava exponencialmente, sem alterar o peso total.
“O quilo continua o mesmo, mas a superfície a ser tratada é muito maior! Como é que pode ser cobrado igual?”, enfatiza.
Para resolver essa falha na precificação do setor, Juan aplicou a fórmula de Faraday, utilizada em processos eletroquímicos, que leva em conta decímetros quadrados, micrômetros de espessura, fator de eficiência e corrente elétrica em amperes.
No entanto, faltava um elemento crucial para que a fórmula fosse precisa: o cálculo exato da área da peça a ser tratada.
Com apoio de uma química experiente e de seu marido, professor, Doutor na área, o Sr. Juan desenvolveu um método para determinar essa área de maneira precisa.
“Uma chapa de 1 metro por 1 metro, com 1 mm de espessura, pesa 7,85 kg, considerando a densidade do ferro. Como essa chapa tem 100 decímetros quadrados de um lado, e mais 100 do outro, se dividirmos esse peso pela área total, conseguimos chegar ao fator exato de conversão. Com isso, criamos um sistema de precificação realista, baseado na área efetiva do material tratado, e não apenas no peso”, explica.
O tempo provou que Juan estava certo. Ele lembra de um episódio com um grande empresário do setor, Rubens Perez, que teve uma máquina quebrada e pediu ajuda à Sapucaia.
“Eu estava na Espanha. Quando voltei, ele me disse: ‘Me cobraram R$ 7,00 o quilo, tem coisa errada, eu não vou discutir porque vocês me quebraram o galho’. Peguei a ordem de serviço, analisei a espessura e falei: ‘Rubens, posso te dar um desconto de 10%, porém mais do que isso não tem como’. Ele rebateu: ‘Mas meu cliente só me paga R$ 1,00’. Então eu disse: ‘Vamos lá no seu cliente conversar’. Negociamos e conseguimos reajustar o preço de R$ 1,00 para R$ 5,00. Ele não acreditava que, em uma reunião, o valor da peça aumentou cinco vezes!”.
A ligação com o Rubens Perez foi muito além dos negócios, como será narrado mais adiante.
O sistema desenvolvido na Sapucaia revolucionou a forma de precificar os serviços da empresa. Hoje, a ferramenta calcula o custo de cada peça com precisão, permitindo uma precificação justa e condizente com o trabalho realizado.
“No começo, eu fazia tudo em planilhas. Depois, levamos isso para um sistema digital que calcula o preço em tempo real. Quando estive em uma feira na Alemanha, um especialista disse que era impossível fazer isso. Sentei com ele, mostrei como funcionava e provei que era possível. Hoje, temos um sistema que ninguém mais usa, porque ninguém quer enxergar a realidade do custo real do processo”, conclui.
Importante dizer que a planilha de custos utilizada na ABTS - Associação Brasileira de Tratamentos de Superfície, tem como base a primeira planilha do Sr. Juan.
O SETOR DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE E OS DESAFIOS DO MERCADO
O setor de tratamento de superfície é altamente competitivo e enfrenta desafios constantes, desde a regulação ambiental até a concorrência desleal de empresas informais.
Para Juan Luís Maqueda, a qualidade e a conformidade com as normas ambientais sempre foram prioridade.
“Aqui, tratamos 100% dos efluentes. O que sai da Sapucaia está dentro das normas. Mas nem todo mundo faz isso”, pontua.
No entanto, o cenário do mercado é desafiador, e a concorrência desleal segue sendo um grande obstáculo. Segundo Juan, muitas empresas surgem sem cumprir as normas e impactam negativamente quem atua de forma regular.
“Porque fecha uma e abrem cinco. Os empregados pegam os tanques, botam lá uma água e começam a zincar; pegam a peça sem a menor noção de nada. Mas a empresa não dura muito, só que ele fecha e abrem mais cinco. São os empregados dele, que não têm como pagar. Então o empregado abre no fundo de casa”, relata.
Além disso, a carga tributária e a falta de fiscalização adequada geram um ambiente desafiador para quem opera dentro das regras.
“Se depender do governo, sempre haverá um Refis [Programa de Recuperação Fiscal da Receita Federal] para quem não paga imposto, e quem faz tudo certo precisa virar”, comenta.
Ainda assim, a experiência mostrou que a resiliência da Sapucaia é um diferencial no setor.
“Já passamos por tantas crises e seguimos aqui, fortes. O segredo é se reinventar, manter a qualidade e nunca parar de aprender”, conclui.
AS REFERÊNCIAS
Como dito no começo deste texto, assim que entrou no negócio do pai, o Sr. Juan procurou seus concorrentes para aprender e são essas pessoas que ele utiliza como referência profissional.
“Tudo o que eu aprendi, aprendi no concorrente, os caras mesmos não acreditavam, diziam: ‘Mas você é meu concorrente!’ E eu: ‘Mas vim aqui para aprender, porque eu não sei nem o que estou fazendo! Eu nunca tinha visto eletrólise, nada... Fui na Zinco Metal, que me recebeu muito bem: e são meus amigos até hoje. Fui no Rubens Perna Perez.”
Sabe como eu conheci o Perez?
“Eu mandei alguns tubos para ele, os tubos caíram na Dutra – eu, com uma Kombi cabrita, com os tubos de 6m, aquela sombra dos tubos do Sol na Dutra e, de repente, sumiu a sombra! Aí eu ouvi o barulho, tinham caído todos (rs). Ligo para ele: ‘Rubens, você pode me mandar um caminhão aqui na Dutra, os tubos que eu vou mandar para você caíram todos aqui’. Deu certo e, após, ele me mandou o preço; e eu disse: ‘Você é louco, isso aí você pode fazer pela metade do valor, porque esse preço é o que eu estou vendendo!. E ele: ‘Como me chama de louco? Você não é homem de vir aqui e me chamar de louco na minha cara’. E eu: ‘Já estou indo’ (rs); e fui. Viramos quase irmãos, era uma bela amizade com ele e a esposa, que também se chamava Neusa. Os dois morreram de Covid. Foi um dos dias mais tristes da minha vida”.
A humildade, aliada à capacidade de reconhecer oportunidades e valorizar as pessoas, sempre foi uma característica do Sr. Juan.
Assim como soube aprender com seus concorrentes no passado, dentro da Sapucaia ele sempre procurou enxergar talentos além das funções que ocupavam.
Um dos maiores exemplos disso é Jaqueline, seu braço direito, que começou na empresa como faxineira e, com dedicação e esforço, se tornou um dos pilares da empresa.
“Ela sempre foi batalhadora e um dia me disse: ‘Seu Juan, eu fiz um curso de Windows, será que o senhor me dá uma chance?’. Falei: ‘Dou’. Hoje, ela sabe mais sobre custos e orçamentos do que muita gente do ramo, pode até dar aula! É meu braço direito aqui na Sapucaia”, conta.
Seja no aprendizado com os concorrentes, na gestão do negócio ou no reconhecimento dos talentos da equipe, a trajetória de Juan Luís Maqueda é marcada pela humildade e pela sabedoria de valorizar quem faz parte do crescimento da empresa.
PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Ao olhar para trás, Juan Luís Maqueda se emociona com a trajetória da Sapucaia.
Foram décadas de desafios, aprendizado e crescimento, sempre sustentados por um princípio inegociável: “Qualidade tem preço”.
Nunca foi adepto de atalhos e sempre defendeu que o sucesso vem do trabalho sério, da conformidade com as normas e do respeito ao cliente, e, em um mercado onde a concorrência muitas vezes ignora regras básicas, ele se orgulha de ter mantido sua empresa íntegra e próspera.
Mas nem só de desafios administrativos foi feita essa trajetória, como o marcante momento do incêndio em 2016, episódio que reforçou sua resiliência:
“Podíamos ter desanimado, mas seguimos firmes. Hoje, estamos numa planta nova, planejada e muito melhor”.
Se a experiência moldou Juan Luís Maqueda como empresário, a nova geração já tem um papel essencial na condução da Sapucaia.
Desde que ingressou na empresa, seu filho, Juan Vitor Maqueda, vem trazendo uma visão inovadora e voltada para a internacionalização dos negócios. Com formação em Tecnologia da Informação e especialização em Gestão Empresarial, ele lidera, hoje, boa parte das operações.
“Ele trouxe uma mentalidade nova e está ampliando nossa presença global. Acabou de fazer um curso na China e já abriu novas portas para exportação. Estamos cada vez mais conectados com o mercado chinês e americano, e ele tem um papel fundamental nessa expansão.”
Além da gestão do dia a dia da empresa, Vitor também atua na Associação Brasileira de Tratamentos de Superfície (ABTS), cuidando das relações internacionais da entidade.
Sr. Juan junto à família, incluindo a netinha Maria Victoria e a sua nora Isabela Fraia:
"Não tem coisa melhor"
Juan Luís Maqueda também conhece mundo afora e fala, além do português, espanhol e francês, idiomas que aprendeu ainda na infância.
“Quando eu cheguei no Brasil, fui estudar no Liceu Pasteur, colégio francês. Então era português na vida, espanhol em casa, e francês na escola. Não saía nem francês, nem português, nem espanhol (rs)”, diverte-se.
Ultimamente, tem deixado cada vez mais a linha de frente da empresa para o filho.
Seu escritório já se divide entre a Sapucaia e a praia, onde está sempre que pode:
“Shorts, chinelo e camiseta. Depois do almoço, vejo alguma coisa da empresa no computador, acompanho os números e sigo curtindo o mar”, diz.
Mas, para ele, o maior prazer está na família:
“Minha neta vai comigo. Não tem coisa melhor!”, orgulha-se.
Além da família, Juan também tem uma história curiosa: ele tem um irmão gêmeo idêntico, e isso já causou algumas confusões no meio empresarial:
“Uma vez, um cliente parou de falar comigo do nada. Fui perguntar o que houve, e ele disse que eu tinha sido mal-educado com a esposa dele no Guarujá. Mas eu nem ia para lá! Era o meu irmão!”, conta, rindo.
O cliente ficou tão sem graça com o mal-entendido que nunca mais mandou serviço para a Sapucaia...
E os planos para o futuro?
Ele já tem em mente sua próxima mudança: a Espanha, país onde nasceu e ainda tem família.
“Ainda vamos morar lá. Já estou vendo um apartamento para ficar seis meses por ano com a Neusa”, revela.
Mas, mesmo de longe, ele não pretende se desligar totalmente da empresa:
“Hoje dá para administrar tudo de qualquer lugar”, comenta.
O futuro da Sapucaia está garantido com Juan Vitor à frente dos negócios e Juan Luís Maqueda, depois de mais de 50 anos de luta, já se permite sonhar com dias mais tranquilos – embora seja difícil imaginá-lo completamente afastado da empresa, é como ele mesmo diz “A internet está aí para isso!”.
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