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Alegria e Ousadia


Grandes ProfissionaisTS 236 22 de julho de 2023 | Por: Portal TS

A importância das pessoas, um laboratório inovador, consciência ecológica e pioneirismo em várias áreas são apenas alguns dos destaques da trajetória de Everaldo Beni, profissional químico e empresário, com mais de 30 anos dedicados a tratamento de superfícies, que, após, se tornou dono de uma das principais redes de varejo em bricolagem, a Peg & Faça

 

 

 

Esta é a jornada de Everaldo Beni, profissional que construiu sua história passando por importantes empresas de tratamento de superfícies, realizou diversas atividades pioneiras, fundou empresa de galvanoplastia e deixou tudo para trás, trilhando novos caminhos no varejo, e com bricolagem, hábito não tão habitual no Brasil até a popularização da cadeia de lojas dele, a Peg & Faça.

Técnico em Química, pelo Liceu Edurado Prado, o executivo não deu continuidade nos estudos: “Não sou formado em Engenharia Química, não deu tempo, pois casei muito cedo, com 22 anos, e precisava trabalhar, e muito, explica”. Mas isso não foi impedimento para prosperar na área, antes mesmo do enlace: “Estava no ônibus rumo ao centro da cidade e ele quebrou em frente à Ciba (de especialidades químicas), na Avenida Santo Amaro (em São Paulo, SP). Aguardando a chegada do próximo ônibus, resolvi entrar na recepção e perguntar se havia possibilidade de eles aceitarem estagiários. O chefe do RH veio, me entrevistou, e me concedeu uma vaga. Com quase 17 anos, comecei a ter contato com laboratório industrial. A Ciba foi incrível, pois aprendi muito sobre tingimento e corantes; fiquei por um ano”, contou. Ao término do período de estágio, Beni se perguntou o que fazer dali em diante e, outra ação, exclusivamente sua, oportunizou seus novos caminhos, como descreve: “Estava em casa e, visitando meu pai, estava o Dr. Bona, que era nosso amigo. Fiquei sabendo que ele era gerente do laboratório da Metal Leve e perguntei-lhe se havia uma oportunidade de estágio. Ele confirmou e, aproveitando a brecha, pedi para fazer um estágio na empresa. Pronto, consegui”.

 

À esq., máquina automática rotativa para prata e ouro, Ineb foi pioneira no país

 

Everaldo Beni, de óculos na segunda fileira, em reunião da antiga ABTG, hoje ABTS

 

Na Metal Leve, uma tradicional indústria de autopeças que hoje é a Mahle Metal Leve (foi comprada pela centenária empresa alemã), Beni conheceu diferentes áreas, inclusive, lá ocorreu o seu primeiro contato com banhos e zincagem: “Foi fantástico o meu ano na Metal Leve. Realizei análises químicas e metalográficas, testes de resistência e análises no espectrofotômetro... Bem, foi nesse momento que comecei a realizar análises em banho de zinco e ligas. Gostei de ver a zincagem e já me interessei pela eletrodeposição”.

Ao deixar a Metal Leve, o executivo é contratado pela Nebratex, para área de vendas. A companhia tinha um braço, chamado Nebrimpex, que trazia processos de cromação de plástico da Alemanha. “Fui convidado para ajudá-los. Realmente adorei os processos da Riedel (a empresa alemã) e comecei a aprendê-los. Além da área técnica, também realizava vendas”, explica. Dali, a vida o levou para representação técnica da Cromplastic, convidado diretamente pelo dono, Sr. Kornell. Logo ocorre outra mudança. “Mais uma vez o cavalo selado passou na minha porta... Fui convidado pela Harshaw, pelo meu grande chefe Mattos, para trabalhar naquela magnífica empresa. Comecei, junto com o gerente técnico, a traduzir os catálogos da Harshaw; e foi ali que aprendi inglês e também a ter mais contatos com novidades na galvanoplastia”.

 

Da esq. para a dir.: Spinelli, Everaldo Beni, Harry Hull e Silvio Moita. À dir. Luiz Gervásio

 

Beni, no centro, de bege: “À esq. está Karl Panic, um gênio em máquinas reel to reel, de deposição seletiva”

 

A vida como empreendedor

Everaldo Beni ficou na Harshaw durante seis anos, quando sai para abrir a sua própria empresa, “comecei a ser empresário e me uni ao um dos melhores sócios que poderia ter tido, o Silvio Moita, da Galtec”, diz.

Contudo, importante trazer a estas linhas que foi na Harshaw o local onde Beni descobriu a sua natureza pioneira. “Comecei a me interessar pelo níquel químico e vi que ninguém fazia esse processo no Brasil. Lendo muitas literaturas, comecei a fazer vários testes e desenvolvi meu próprio processo”, assim surge a Ineb. Ele conta sobre a sua implantação: “Montei, em Santo Amaro, (famosa, e grande, avenida na cidade de São Paulo), uma pequena galvanoplastia, que dei o nome de Ineb - Indústria Nacional de Eletrodeposição e Beneficiamento Ltda. ‘Ineb’ é meu sobrenome ao contrário”.

O executivo continua: “Nosso primeiro cliente foi a Philips, em peças protegidas com níquel químico, com um grande desafio de fazer um molde enorme para a Walita (que é da Philips), e assim continuamos a crescer muito, expandindo linhas de zinco, níquel, prata e ouro”. No auge da Ineb, a produção era exorbitante: “Caso não esteja enganado, fazíamos 2.700.000 mil terminais/hora, e nossos concorrentes faziam 800.000 e outro 700.000/hora – acredito que esteja certo, mas se passaram 37 anos”, recorda.

Beni conta que, ao atingir esse nível de produção, havia apenas dois concorrentes para a Ineb. Assim, mais uma vez pela veia pioneira de seu fundador, a empresa estabelece um laboratório que se diferenciava dos existentes naquela época no país. “Fomos pioneiros em máquina automática rotativa de prata e ouro, pois tínhamos uma produção enorme de contatos prateados e flash de ouro para a Stevenson (também da Philips). Sempre gostei de tecnologia e tínhamos medidores de camada, betascope... Trouxe dos Estados Unidos um medidor atômico muito preciso; até a USP fazia medições na Ineb. Tínhamos até espectrofotômetro de absorção atômica. Um laboratório excepcional!”, destaca. E continua: “Começamos a crescer muito em outras áreas, como ouro seletivo em máquina ‘reel to reel’. A Ineb era um exemplo de tecnologia e, ao meu lado direito, nada mais, nada menos, que um dos maiores técnicos: Jorge Martins (Jorginho), que me ajudou a desenvolver muitos processos de galvânica”.

O profissional explica que criava as máquinas internacionalmente, “com um gênio chamado Karl Palnik, da Carolinch Cia., da Pensilvânia”, mas as desenvolvia no Brasil: “O restante fazíamos aqui. Tínhamos que nos virar, pois precisávamos de muito dinheiro para fazê-las”. Revela, ainda, saudades da época: “Vivi momentos maravilhosos na Ineb, com pessoal de gerência nota 1.000. Romeu (Romeuzinho, excelente goleiro da Ineb) era o gerente financeiro, e Carlos Munhoz, da área industrial. Tenho saudades dessa época. Equipe como essa, jamais. Aí vendemos a Ineb e eu fui para outros desafios, também muito interessantes”; foi quando comprou a Peg & Faça. 

 

Junto com Harry Hull, um grande amigo

 

Diferenciais da Ineb

Vale a pena destacar dois pontos da Ineb relatados pelo executivo. O primeiro, sobre a preocupação ambiental que eles tinham já naquele tempo, década de 1990, preocupação que começava a ganhar contornos mais populares com a ‘Eco 92’. “Não tínhamos cromo nem cádmio, por serem tóxicos demais e altamente poluentes. Na época, estávamos começando a conscientizar-nos desses malefícios. Fiz parte do saneamento do Rio Tietê quando Maluf foi governador de São Paulo, juntamente com a Cetesb, é claro. Foi um trabalho maravilhoso que o próximo governador enterrou completamente”, relata.

Já o segundo destaque da Ineb versa sobre as inovações que a empresa realizou na área química para tratamento de superfícies, e que foram além do desenvolvimento de máquinas inéditas que auxiliavam na produção e processo, como citado, nas palavras do próprio Beni: “Após anos de pesquisas, fui aprendendo sobre as características do níquel químico, como a dureza de 70 RC (Rockwell C), a lubricidade e a formação regular de camadas de níquel em peças de difícil acesso. Inicialmente, pensei que fosse aplicável apenas em moldes de injeção de plástico, devido à regularidade da camada depositada e à lubricidade, o que facilitaria o desmolde das peças. No entanto, ao longo do tempo, percebi que seria importante para outros tipos de peças mecânicas, especialmente na indústria automotiva. Como exemplo significativo, desenvolvi o processo para a bomba de gasolina do Chevette, aplicando níquel químico para proteção interna da peça contra a corrosão causada pelo álcool, e os resultados foram surpreendentes. A partir daí, expandimos para carburadores, também visando evitar a corrosão provocada pelo álcool. Na época, eu possuía um barco, e as muflas, que ainda são feitas de ferro fundido e bastante caras, eram utilizadas para a refrigeração dos motores náuticos. Devido à ação da maresia, elas eram muito atacadas. Então, decidi fazer um banho de níquel químico internamente nelas e o resultado foi excelente. Não precisei mais trocar as muflas. Um segundo barco foi construído para mim, pelo meu amigo Varella, da GP Níquel Duro”, conta. Neste ponto ele mesmo destaca: “Tenho que abrir um parêntese importante sobre a minha linha de Eletroless Nickel, pois, devido à área ocupada, ela estava impedindo o meu crescimento na deposição seletiva de ouro e prata. Foi então que fiz uma reunião com Luiz Varela (Luizinho) da GP Níquel Duro, e ele estava se desenvolvendo muito bem nesse campo. Passei para ele os meus clientes e o Luizinho fez um excelente trabalho com o níquel químico, acredito que até hoje”.

Beni vendeu a Ineb, e foi fazer sucesso no varejo, também empreendendo (veja entrevista a seguir), mas não deixou de atuar na área totalmente. “Sempre estive presente por muitos anos, ainda mais quando meus gerentes abriram a Maxxiplating. Fui observando as mudanças no setor. Também forneci consultoria para a Elmactron, do grande amigo Alexandre Ganni. Realizamos muitos desenvolvimentos em conjunto, como a máquina automática rotativa de prata e ouro, bombas especiais anticorrosivas e máquina de estanhar fios e tiras de prata e estanho-chumbo, todas de alta velocidade de deposição. Outro desafio foi na Cofap, onde, juntamente com outros especialistas, Herbert e Alexandre, desenvolvemos uma máquina de cromo duro rotativo para as hastes, com banho de cromo duro e ânodos auxiliares para regularizar a deposição”.

Apesar de uma trajetória repleta de relatos surpreendentes, que nos fazem refletir sobre os desafios em sua carreira, Beni aponta o momento que considera o mais desafiador: “O mais importante foi o início da Ineb, pois não tínhamos dinheiro algum e, com amigos, como Silvio Moita, juntos conseguimos, com muita coragem, montar uma bela galvanoplastia na época”, recorda.

 

No Japão, junto a executivos da NEC, Nippon Electric; na mesa, troca de passivação em guias de onda para telecomunicação, banho de prata

 

No Japão, aprendendo a produzir correntes para bijuteria

 

Uma análise sobre a indústria de TS hoje

Evaraldo Beni está próximo de completar 80 anos e, apesar de uma vida mais bucólica, ainda constrói e desenvolve coisas: “Vivo em São Paulo, em Santana de Parnaíba, e meu hobby é marcenaria. Tenho uma oficina que faz inveja. Estou aprendendo muito e também aprendi muito com a Peg & Faça nesse setor. Sou um faz-tudo que, agora, com 77 anos, tenho tempo para me divertir na minha oficina. Aprendi muito com meus pais e meu nono (avô em italiano) a ser humilde, respeitoso, amigo e dedicado à família. Meu passado de aprendizado me inspira a ser o que sou: simples, pois sei que não levarei nada daqui”, diz.

Ao ser perguntado como enxerga a indústria de tratamento de superfície hoje, é enfático: “Em minha humilde opinião, acredito que teremos enormes desenvolvimentos advindos da nanotecnologia e de outras áreas que surgirão, tanto no nosso setor como na pintura e proteção de superfícies. Nossos profissionais terão que estudar muito e acompanhar o mercado, viajando para fora do Brasil e estabelecendo contatos internacionais para se manterem atualizados. A tecnologia está avançando rapidamente, e é obrigação dos técnicos acompanhá-la”, finaliza.

 

ENTREVISTA

A vida no varejo

Everaldo Beni conta como também empreendeu fora do ramo de tratamento de superfícies, quando se tornou dono da Peg & Faça, grande rede de lojas de bricolagem.

 

Por que decidiu sair do setor de galvanoplastia?

São negócios que falam mais alto e a visão do futuro do segmento, principalmente na área de deposição seletiva, que era nosso grande faturamento. Como viajava muito para ver novas tecnologias, e vendo o crescimento nesta área e o volume de investimento que precisaríamos, juntamente com a abertura de mercado pelo Collor, presumi que iria cair muito nosso faturamento, pois o Japão, na época, estava oferecendo preços extremamente baixos e nosso ouro era comprado por valores irreais pelo dólar, não o oficial e sim pelo paralelo, o que nos tirava de concorrer com o exterior. Em reunião com meu sócio, expliquei os fatos, e como estávamos com dois interesses de grandes companhias em comprar a Ineb, resolvemos vendê-la. Foi o fim de um outro grande começo e pulei para a área de varejo. Loucura, não?

 

O Sr. fundou a Peg & Faça, rede de grande sucesso. Atualmente, ainda atua como empresário? Conte-nos um pouco de suas atividades hoje. Quais são seus objetivos atuais e projetos para o futuro?

A Peg & Faça teve um grande sucesso, pois comprei esta pequena rede com três lojas do Pão de Açúcar e estava iniciando a abertura de franquias. Fui o primeiro franqueado e, em um ano e meio, com a ajuda de um diretor executivo, consegui comprá-la. Em seis anos, já estava com 10 lojas. Na época, existiam dois interessados na compra da Peg & Faça, mas não gostei dos projetos, pois teria que abrir 70 lojas, o que seria um desgaste enorme para mim, que já estava com idade avançada. Nesse momento, surgiu uma grande oportunidade de vender o melhor ponto que tínhamos, no Lar Center, e vendemos para encerrar a empresa e honrar os compromissos trabalhistas. Iniciei esse processo em 2012. Na época, tínhamos 298 funcionários diretos, fora os terceirizados. Liquidamos todos e, em 2014, fechei todas as lojas, uma a uma, ao longo desses dois anos. Aqui no Brasil, ser empresário é extremamente difícil. Meu projeto para o futuro é minha maravilhosa família que tenho, meus grandes amigos, a música e minha oficina de marcenaria.

 

Peg&Faça recebe Prêmio Qualidade Brasil

 

Atualmente, qual é o principal desafio do executivo no país?

Atualmente, está muito difícil eu opinar, e acho extremamente complicado investir no Brasil. A política brasileira apodreceu este país. É muito triste, para mim, dizer isso, pois sempre fui corajoso e empreendedor. Como tudo é cíclico, não devemos desistir, e ainda há espaço para aqueles que querem se arriscar.

 

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