Por Ciro M. Marino, engenheiro mecânico, Presidente-Executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)
É necessário um esforço para superar a crise, mas soluções estruturantes terão de vir tão logo seja retomado o fluxo normal da vida no País
Se tem algo que está presente na vida de todos os brasileiros é a indústria química. Os insumos e matérias-primas produzidos nas fábricas deste setor que responde por 11,4% do PIB industrial nacional estão na base dos produtos de todos os demais setores industriais: do agro à mineração, passando por remédios, higiene pessoal, gases hospitalares, limpeza, alimentação, roupas, calçados, brinquedos, eletroeletrônicos... Isso significa dizer que todo brasileiro depende da indústria química.
É um setor essencial.
A importância da indústria química passa injustamente despercebida da opinião pública em tempos normais, mas fica evidenciada em uma situação de calamidade como a que estamos vivendo diante da disseminação da covid-19. Quando disparou no varejo a procura por álcool em gel, máscaras e sanitizantes, entre outros bens diretamente associados à situação de pandemia, os olhos se voltaram para as fábricas químicas.
Alinhadas com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) e as autoridades sanitárias do País, as indústrias adotaram nas últimas semanas protocolos rígidos de segurança para seus colaboradores e fornecedores, e estão empenhadas ao máximo para não apenas manter a produção, como atender a uma demanda maior por alguns insumos específicos, sendo um bom exemplo o espessante para o álcool em gel.
Diversas empresas rapidamente redirecionaram unidades fabris e formularam alternativas eficientes ao espessante comumente utilizado, que se tornou escasso em nível global. A indústria química brasileira tem plenas condições de produzir mais insumos para que o álcool em gel não falte aos brasileiros nesse momento tão importante.
Pontualmente, uma grande preocupação do setor neste momento é o tráfego de insumos e matérias-primas entre os Estados e também entre os países do continente, notadamente a Argentina, com quem temos um forte relacionamento comercial. Motoristas e operadores logísticos são hoje os médicos e enfermeiros da produção que chegará às casas dos brasileiros no próximo mês.
A logística envolve uma série de engrenagens como refinarias e biorrefinarias, estradas, postos de fronteira, portos e portos secos, que devem estar em sincronia para que as produções dentro das indústrias químicas tenham um fluxo constante. Pelas características da produção química – uma fábrica assemelha-se a um laboratório em que reações controladas são feitas constantemente – parar uma linha de produção é uma operação extremamente delicada, entre outros fatores porque ela não pode ser tão facilmente religada como se respondesse a um interruptor ou chave.
Além das preocupações pontuais e do esforço para superar essa grave crise, a indústria química também faz o exercício de olhar para frente, pensar no futuro, e buscar construir um ambiente de maior segurança e competitividade para o setor, com reflexos positivos em toda a cadeia produtiva e, por extensão, ao consumidor final.
Soluções estruturantes terão de vir tão logo seja retomado o fluxo normal da vida no País. Uma prioridade é acelerar a implementação do Programa Novo Mercado de Gás, que traz a perspectiva de um fornecimento estável de matéria-prima a preços competitivos. Também é preciso olhar para os entraves burocráticos e regulatórios, a inserção internacional da nossa indústria, a infraestrutura e a questão da energia.
Uma das muitas lições importantes que essa pandemia nos deixa é sobre a importância de produzirmos mais especialidades e menos commodities.
É preciso abordar esse problema antes da próxima crise.